domingo, 22 de novembro de 2009

À LUZ DO GÁS

Degas e Daumier











Haverá, como dizem (não confirmo nem desminto...), um Cesário Verde do campo e um Cesário Verde da cidade? Estive, de qualquer forma, atento ao meu tempo e a minha poesia deu conta das novas realidades sociais, como disse Jorge Custódio (no artigo "A Indústria Fabril em Portugal e em Lisboa na época de Cesário", na revista Prelo , nº 12, Julho-Setembro de 1986):


"A cidade de Cesário Verde é sobretudo a cidade dos bairros industriais onde a «negra multidão se apinha de tecelões, de fumos, de caldeiras». Uma cidade onde a paisagem se transforma pelo efeito da civilização industrial, à luz do gás ou na penumbra dos fumos das chaminés e dos boqueirões e becos. É ainda a cidade que se amplia e se expande, confundindo-se com o campo e gerando «sítios suburbanos, reles», lugares de focos de infecções, esterqueiros e miasmas sociais. É ainda a cidade fabril, viva, repleta de trabalho, assalariada e mercantil, cidade de artistas de ofício, de mulheres trabalhadoras, de operários, de artistas despedidos e de lumpen onde os problemas laborais vão paulatinamente definindo a questão social das sociedades industriais modernas- a luta de classes."




Proposta de trabalho (deixar comentário):

Documenta com versos de Cesário Verde as questões apresentadas na citação, não deixando de salientar a metamorfose poética operada pelo autor, através da referência, nomeadamente, a recursos de estilo particularmente relevantes.

2 comentários:

  1. Comentário (parte 1)

    Cesário Verde, nas suas obras, escreve sobretudo acerca do campo e da cidade, e sobre a vida quotidiana. O campo contrasta com a cidade, sendo esta última retratada, na maioria das vezes, de uma forma negativa e o campo descrito de uma forma positiva.
    Uma das características da poesia de Cesário Verde é o facto de o sujeito poético explorar a cidade ou o campo através de deambulações, ou seja, o espaço é explorado através de vários percursos, em que se vão fixando diferentes planos e cenários, como acontece nos poemas “Num bairro moderno” e “O Sentimento dum Ocidental”.
    No poema “Num bairro moderno”, o sujeito poético deambula pela cidade durante a manhã, enquanto se dirige para o trabalho. Entretanto, avista uma rapariga que transportava uma giga e que é humilhada por um criado que atira para o chão as moedas. Na minha opinião, esta cena do criado pode, de certa forma, ser uma crítica à cidade, retratando as injustiças sociais e os problemas de poder e arrogância nela vivenciados. Posteriormente, o sujeito poético chega mesmo a ajudar a jovem. A rapariga com a sua giga representa o “campo” que veio à “cidade”, representa ainda a simplicidade e a vivacidade do campo. Numa parte do poema, há um momento em que o sujeito poético mistura a realidade com a imaginação, para descrever a rapariga. As comparações e expressões que o poeta utilizou para o efeito, fazem-nos lembrar o campo, pois compara as diversas partes do corpo a legumes e frutas, isto é, elementos naturais, típicos do campo. As seguintes expressões demonstram isso mesmo: “ Descobria uma cabeça numa melancia/ E nuns repolhos seios injectados.”; “As azeitonas, que nos dão o azeite,/Negras e unidas, entre verdes folhos, São tranças dum cabelo que se ajeite;”, entre outras…
    No poema “O Sentimento de um Ocidental”, o sujeito poético deambula pela cidade ao anoitecer. Durante este passeio, ele vai descrevendo os cenários pelos quais vai passando: as ruas lisboetas antigas com boqueirões, a estação ferroviária, a praça, o rio, o cais onde se atracam os botes e onde há as descargas de carvão, o bairro popular onde moram as varinas, os arsenais e oficinas, os hotéis da moda, entre outros. Neste poema a cidade e a vida na cidade são destacadas, sendo que, apesar de o sujeito poético apreciar a cidade e se identificar com ela, ao mesmo tempo é incomodativa e fá-lo sofrer, o que traduz um paradigma frequente na sua obra. Vemos isso em diversos versos, como é o caso de “O gás extravasado enjoa-me, perturba”; Semelham-se as gaiolas, com viveiros,/ As edificações somente emadeiradas”; “E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!”; “E apinham-se num bairro aonde miam gatas,/E o peixe podre gera os focos de infecção!”.

    Cláudia Costa

    (12ºC- 2015/16, Esc. Sec. Dr. J.G. Ferreira Alves

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  2. Comentário (parte 2)

    Nos seus poemas, Cesário Verde apresenta muitos aspetos imaginativos, realistas e impressionistas.
    A poesia de Cesário Verde é impressionista na medida em que, ao descrever o que observa, deixa transparecer as impressões que a realidade lhe suscita. Alguns aspetos impressionistas presentes no poema “Num bairro moderno”: “E fere a vista com brancuras quentes” (corresponde a uma sinestia- sensação visual e táctil); “Pôs-se de pé; ressoam-lhes os tamancos” (sensação auditiva). Aspetos impressionistas presentes no poema “O Sentimento dum Ocidental”são, por exemplo: “E em terra num tinir de louças e talheres” (sensação auditiva); “Flamejam, ao jantar (…)” (sensação visual).
    Alguns dos aspetos realistas presentes no poema “Num bairro moderno” são a descrição da vida quotidiana do próprio sujeito poético e da rapariga, as descrições objetivas dos espaços, por exemplo. No poema “O Sentimento dum Ocidental” temos a descrição dos vários locais, a descrição da vida quotidiana de várias personagens: as varinas, as obreiras, os calceteiros, os lojistas, …
    Também temos, em ambos os poemas, aspetos imaginativos. No poema “Num bairro moderno”, o sujeito poético anuncia que vai fazer um exercício de imaginação na estrofe 7, relacionado com a descrição da rapariga. Por outro lado, na estrofe 17, mistura-se a realidade com a imaginação. No poema “O Sentimento dum Ocidental” há alguns aspetos imaginativos nos seguintes versos: “Como morcegos, ao cair das bodaladas/ saltam de viga em viga os mestres carpinteiros”; “Semelham-se a gaiolas, com viveiros,/ As edificações somente emadeiradas”; ou então o momento em que o sujeito poético refere tempo passados, as crónicas navais.
    Concluindo: na obra de Cesário Verde temos a constante oposição cidade/campo, sendo a cidade um espaço de morte e o campo um espaço de vida. O campo é visto como um espaço de liberdade, de vivacidade, de saúde, de simplicidade, de força; e a cidade como um espaço opressor, símbolo da morte, da humilhação, da injustiça, da industrialização e da doença. A esta oposição associam-se as oposições belo/feio, claro/escuro, força/fragilidade. Podemos perceber, a partir dos poemas, que o sujeito poético (e até mesmo o próprio poeta, Cesário Verde) se identifica com a cidade da época, no entanto esta também lhe provoca um sentimento de aprisionamento, enjoo, perturbação, monotonia (“Nas nossas ruas, ao anoitecer,/ Há tal soturnidade, há tal melancolia,/ Que as sombras, o bulício do Tejo, a maresia/ Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.” – poema “Sentimento de um ocidental”).

    Cláudia Costa

    (12ºC, 2015/16, Esc. Sec. Dr. J.G. Ferreira Alves)

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